“Não é a criança que eu imaginava!”

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A experiência de ter um filho é algo ímpar na vida de uma família. Muitos são desejados e esperados, outros aparecem de surpresa mas não menos amados. A questão é que ao esperar um filho, sonhamos e temos várias expectativas com relação a ele. Planejamos e planejamos….Podemos até visualizar a tão sonhada faculdade deste ser ainda informe no ventre materno, mas ao nos depararmos com a criança/bebê real, muitas vezes nos frustramos.





Basta algum tempo de vida para que este lindo ser se recuse a dormir! Para que as adaptações com a vida fora do útero não fiquem tão simples para todos. Mais algum tempo e  diante de alguém tão querido e importante para você (seu chefe, por exemplo), ele recuse uma expressão amigável. Se recusa a usar o cabelo da forma como você sempre admirou, não quer as bailarinas ou a bola. Não gosta do suco que você pesquisou e fez com produtos orgânicos! A criança diz “Não!”. Ela pergunta coisas difíceis de responder, escolhe a roupa sem combinar, adora ficar bem suja de tanto brincar, lambe os dedos sujos de brigadeiro e se recusa a tomar banho! O que fazer diante desse ser que imaginei tão diferente? 

Quando nasce uma criança, é necessário lembrar que ali existe um sujeito em formação. Sujeito que se identifica e se diferencia do outro para se constituir. Este tempo de constituição não é algo datável, pois é a formação de uma estrutura, uma base e não um desenvolvimento biológico apenas. A oposição, a birra, tão natural na infância, para longe de ser um grave transtorno é a afirmação de que ” Pai, mãe, sou uma pessoa diferente!”. Que bom!

Pensar em uma criança apenas passiva é desconsiderar a existência de outro ser. A criança não é só passiva, um programa de computação que segue ordens, ela modifica e é modificada pelo seu meio. Como pessoa ela é dotada de todo tipo de sentimentos, sendo que  tais sentimentos são pulsionais, ou seja na sua forma mais primitiva. É necessário que os cuidadores eduquem, coloquem limites, ensinem seus valores e sua cultura, mas que também permitam que ela pense e escolha por sí. Por mais que seja entre escolher a blusa amarela ou a de cor laranja, é saudável que a criança escolha o que lhe faz feliz.





Muitas vezes a família coloca o bebê como um ser que vai suprir a necessidade de união do casal, se torna a expectativa de um novo elo. Até mesmo com o falecimento de um membro da família aquela criança se torna o ponto de apoio de quem mais sofreu com a falta. Este pequeno ser em formação tem seu lugar próprio na estrutura familiar, tendo dificuldades de sustentar este lugar que tampona uma falta. É deste lugar que este sujeito não poderá responder.Pois como nos aponta Freud, o desejo humano não é algo biológico que pode ser saciado. Este desejo é da ordem do inconsciente, logo jamais findará. Ele deslisa de objeto em objeto,se sacia e logo surge a repetição da necessidade. Garcia Rosa (1994) em seu livro Freud e o Inconsciente,traz a seguinte colocação“(…)só posso afirmar o meu Desejo na medida em que nego o Desejo do outro e tento impor a este outro o meu próprio Desejo.Ocorre porém,que este outro,enquanto Desejo humano,também procura fazer o mesmo comigo. “

Não entenda um “não” como uma oposição a sua pessoa. Veja se a situação permite que você seja mais flexível. É necessário que os adultos não reflitam nas crianças suas imaturidades, suas frustrações e suas expectativas, sendo possível a criança se devolver de forma saudável. Criar pessoas diferentes de nós pode ser desafiador, mas é respeitar a vida, respeitar a singularidade e o sujeito que se forma.

About the Author Elaine R.C. Romero

Psicóloga Clínica,atendimento a adultos crianças e idosos. Palestra e orientação a pais e profissionais. Eterna estudante da área de psicologia e suas vertentes.

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