Reflexões sobre filosofia da mente

Existe uma empresa da filosofia que se dedica ao estudo do problema mente-corpo. Para que você entenda este problema de uma forma mais simples pense que você tem uma moeda e que esta moeda está na sua carteira e esta está no seu bolso ou bolsa. É correto dizer que a sua moeda está no seu bolso ou bolsa? A resposta para esta pergunta é sim. É correto dizer que a moeda está no seu bolso. Embora não esteja em contato direto, ele localiza-se ali diretamente.





No entanto, pense que você está com dor no seu dedinho do pé, uma unha encravada, por exemplo. Se o seu pé está dentro de uma meia e esta está dentro de um sapato, é correto afirmar que a sua dor está localizada dentro do sapato ou da meia? Para esta pergunta a resposta é não. Embora o pé esteja dentro do sapato a dor não pode ser localizada dentro do sapato como uma moeda é localizada dentro da bolsa. Uma vez que você retirar o seu pé do sapato não vamos conseguir encontrar uma “coisa” chamada “dor” lá dentro.

Poderíamos dizer que estas duas perguntas são uma boa introdução para refletir o problema mente-corpo. O que é a dor? Você pode dizer que a dor se trata de uma reação física em que os neurônios são excitados com base num determinado estímulo que desencadeia uma sensação que chamamos de dor. No entanto, mesmo isso sendo verdadeiro, resta a pergunta: porque sentimos a dor como dor? Porque a dor não é sentida como o frio ou como um cheiro? A mera descrição de que esses eventos ocorrem em lugares diferentes do cérebro não é suficiente para responder esta pergunta porque no cérebro tudo são impulsos neuronais, elétricos e já não mais possuem a natureza que tiveram. Além disso resta o efeito da sinestesia na qual a pessoa sente cores e cheira tons musicais, por exemplo.

Em filosofia da mente chamamos este “problema” de “qualia”, ou seja, a maneira particular como cada um de nós sente algo. Trata-se aqui da experiência particular de cada ser humano em sentir algo, ver algo, a resposta da pergunta como eu vejo isso da maneira que vejo, porque vejo isso desta maneira? Este tema é importantíssimo porque trata de um outro tema: os conteúdos mentais são exclusivos de um indivíduo ou podem ser partilhados? Alguém é capaz de sentir da mesma maneira que sinto? Somos capazes de ouvir os pensamentos de outra pessoa? Chama-se isso de “privacidade do mental”.

Estes dois pontos: privacidade do mental e os qualia já nos dão conteúdo para boas reflexões. Para o leitor, saber que estes dois temas existem e que existe uma pesquisa chamada Filosofia da mente também. Antes de continuar, porém, preciso deixar claro a importância deste tema. Ocorre que quando se fala em “filosofia” é comum que as pessoas associem o tema à algo como: filosofia = opinião ou releguem o ato filosófico à uma troca de ideias, o que está longe de ser verdadeiro.

Antonio Damásio, por exemplo, reconhecido neurocientista que lida com diversos fenômenos da mente humana buscando curas e tratamentos para diversos trata do tema da filosofia da mente. As pesquisas dele, por exemplo, nos ajudam a criar procedimentos em psicoterapia para tratar de distúrbios, ajudam educadores a saber como potencializar o ensino e também ajudam a área de tecnologia a desenvolver novas processadores para computadores que se inspiram nos modelos biológicos de funcionamento do cérebro. A Filosofia da mente, através de suas concepções, método de pesquisa e descobertas também tem contribuído para o direito e elaboração de leis. Outra figura conhecida é Miguel Nicolelis, brasileiro que também realiza suas pesquisas tendo como área a maneira pela qual a mente funciona, sua pesquisa cria desde próteses para pessoas que perderam membros até exoesqueletos completos operados apenas por comandos mentais.





Voltando aos qualia e à privacidade do mental, uma das questões interessantes em psicoterapia é compreender como as pessoas vivenciam aquilo que vivenciam. Embora não possamos – pelo menos ainda – ver o que a pessoa vê, da maneira que ela vê, podemos perguntar e tentar imaginar aquilo que ela vê. Os psicólogos trabalham muito usando a empatia tanto cognitiva quanto emocional para se aproximar da experiência de seus clientes. Se não conseguimos viver o que eles vivenciam, conseguimos, por outro lado assumir a sua perspectiva frente ao que vivem.

Uma das maneiras pelas quais trabalha-se com isso é buscando informações sobre a estrutura daquilo que as pessoas veem em suas mentes. Você já percebeu que as imagens que você forma em sua mente em sempre são iguais? Por exemplo: quando imagino uma comida que eu gosto muito, uma pizza, por exemplo, eu a vejo em minhas mãos, como se estivesse segurando ela. A imagem é nítida e colorida, sinto o cheiro da pizza e vejo o queijo derretido escorrendo, a experiência é tão concreta que, às vezes acho que vou queimar a mão segurando a pizza.

Por outro lado, quando penso em alface, eu vejo uma folha numa imagem em tons de cinza num recipiente metálico, longe de mim. A imagem, estática não apresenta muita nitidez e também não me vejo interagindo com a alface. Agora, o mais interessante ocorre se eu imaginar a pizza da mesma maneira que eu imagino o alface: ou seja, se visualizar um pedaço de pizza em tons de cinza, num prato distante de mim, a sensação de desejo de comer a pizza praticamente desaparece. Apenas retorna se começo a visualizar a pizza da maneira que eu imaginei da primeira vez.

Estas informações nos ajudam a compreender como a pessoa forma suas experiências dentro dela. É algo que nos aproxima do qualia dela assim como nos ajuda a vencer a barreira da privacidade do mental. É óbvio que se eu usar o mesmo conjunto de informações de outra pessoa o resultado poderá ser muito diferente (o que motiva uma pessoa pode desmotivar outra). Porém a aproximação é bastante útil e dá resultados muito interessantes.

Estas informações nos ajudam a perceber que embora a experiência dos qualia ainda permaneça privada, o mental, em si não é 100% privado. Em outras palavras, o que quero dizer é que não apenas podemos compreender o que se passa na mente de uma pessoa como, também, podemos dizer à ela que o que ela está pensando está errado e ainda podemos fazer sugestões que mudem a maneira pela qual as pessoas criam suas experiências com um certo grau de controle sobre a experiência mental de outra pessoa.

Isso se baseia na ideia de que se por um lado não podemos acessar o conteúdo tal como a pessoa o vivencia (os qualia) podemos acessar os processos de criação desses conteúdos. Profissionais que lidam com criatividade conhecem seus ritmos criativos. Esses são os bons profissionais porque sabem como criam. Não sabem exatamente o que vão criar, mas sabem que, por exemplo, precisam pensar arduamente sobre um determinado tema que vão criar e, depois, tirar uma soneca. O momento da criação está logo que acordam. Esta é uma das estruturas criativas que conheço, posso até não saber o que será criado, mas consigo interferir no processo criativo. Conhecer isso é interferir no que é mental.

Então, para resumir a nossa conversa até agora: a filosofia da mente é uma empreitada importante e possui resultados concretos e interessantes. Ela aborda vários temas buscando um modelo que possa explicar o que é a mente, do que ela é composta e como funciona. “Qualia” e “privacidade do mental” são temas importantes e estudados dentro desta matéria. O primeiro se trata da experiência pessoal e sujetiva que a pessoa tem (porque sinto dor como dor) e a segunda diz daquilo que pode ser partilhado ou não da experiência que tenho. Vimos que conhecendo algumas informações sobre a maneira que a pessoa estrutura a sua experiência podemos ter acesso a sua mente e até interferir neste processo compreendendo, com isso, que o mental é privativo, porém não o é 100%.

Espero que este artigo possa ter incitado a sua curiosidade para compreender mais sobre a filosofia da mente e buscar mais informações neste campo tão importante à Psicologia, porém, infelizmente, tão pouco conhecido dentro da mesma.

About the Author Akim Rohula Neto

Akim Rohula Neto é natural de Curitiba onde nasceu e se criou. Descendente de russos e italianos desde cedo percebeu que as diferenças emocionais e na percepção de mundo podem trazer problemas e ser fonte de grande competências e conquistas. Realiza sua graduação em Psicologia na PUC-PR (1999-2003), no mesmo ano termina uma especialização em Psicologia Corporal no Instituto Reichiano (2000-2003) e em PNL (Programação Neurolingüística) com Leonardo Bueno (1999-2003). Mais tarde, sentindo a necessidade de uma compreensão maior sobre os fenômenos familiares busca no INTERCEF (2008-2010) a formação em Psicologia Sistêmica. Desde a graduação em 2004 trabalha com atendimento em psicoterapia para adolescentes e adultos e a partir de 2008 trabalha com casais e famílias. Além disso ministra palestras e workshops que visam o desenvolvimento de competências para desenvolvimento do auto domínio e da inteligência emocional.

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