A vida não é um conto de fadas

A vida vai nos decepcionar, vai nos esfolar e nos derrubar, pondo à prova a nossa determinação em continuar, em seguir, em caminhar firmemente em busca do que é nosso, pois é assim que ela ensina.





A profusão de livros, mensagens, filmes, músicas e de programas televisivos sobre autoajuda revelam que não é fácil sobreviver, seguir em frente, olhar com esperança para o amanhã. Os dias cada vez mais céleres, a política cada vez mais decepcionante, as relações cada vez mais superficiais, a grana cada vez mais curta, a religião cada vez menos presente, tudo parece concorrer ao aumento da tristeza e da falta de perspectivas.
É preciso enfrentar com lucidez tudo isso, ou viveremos de ilusões, de faz-de-conta.

Você pode fazer de conta que todos os relacionamentos persistem, que resistem e sobrevivem ao desgaste que a crueza do cotidiano imprime aos convívios entre amantes, amigos, colegas de trabalho. Que tenhamos sido criados para fazer as coisas durarem, inclusive o amor; que consigamos nos apaixonar todos os dias por quem já está ao nosso lado, até o fim de nossas vidas, fortalecendo a união por meio da superação de cada entrave.





Você pode fazer de conta que as pessoas sempre corresponderão ao que esperamos delas, que nos retornarão nada menos do que aquilo que lhes dedicamos, numa via de mão dupla equacionada e justa. Que não haverá inveja, pois torceremos verdadeiramente pelo sucesso alheio, sem falsidade, sem difamações nem fofocas veladas pelos cantos, pelas esquinas.

Você pode fazer de conta que nunca estaremos rodeados por gente chata e preconceituosa, ou por gente enxerida e fofoqueira. E que não nos questionarão por atitudes que dizem respeito somente a nós mesmos; que poderemos amar a quem quisermos, como quisermos, pois compreenderão que não estaremos machucando ninguém, apenas usufruindo do que sentimos e temos coragem de assumir.

Você pode fazer de conta que a maldade em breve estará apenas presente nos enredos de ficção e num passado distante, pois a humanidade está entendendo finalmente que cada um colhe conforme o que planta, ou seja, é mais sábio e saudável semear bondade e doação. E que a violência nunca mais será combatida com meios ainda mais agressivos; que as minorias se juntarão à sociedade como um todo.





Você pode fazer de conta que nunca ninguém sairá de nossas vidas, nunca nos deixarão desamparados, solitários, tristes, pois ninguém nos usará a seu bel prazer, por motivos egoístas, tratando-nos como objetos. E que o amor será algo por que se lutar, será o motivo primeiro que sustentará as lutas diárias, tanto no enfrentamento de nossos fantasmas pessoais, quanto no fortalecimento do casamento, da amizade, do convívio social.

De nada adiantará somente esperar ou iludir-se. A vida vai nos decepcionar, vai nos esfolar e nos derrubar, pondo à prova a nossa determinação em continuar, em seguir, em caminhar firmemente em busca do que é nosso – é assim que ela ensina. Ou enfrentamos conscientemente esse turbilhão de surpresas que temos pela frente, ou estagnamos nosso potencial de ser feliz através de falsas ilusões escapistas e paralisantes.

Porque, assim como registra aquele famoso provérbio, é na superação das tempestades emocionais que sorveremos com maior intensidade todos os prazeres e milagres que a vida felizmente também nos reserva, com generosidade, a cada novo despertar.

About the Author Marcel Camargo

Graduado em Letras e Mestre em "História, Filosofia e Educação" pela Unicamp/SP, atua como Supervisor de Ensino e como Professor Universitário e de Educação Básica. É apaixonado por leituras, filmes, músicas, chocolate e pela família.

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