A senhorita Peregrine e o desenvolvimento da maturidade

O que aconteceria se você pudesse parar o tempo? Viver para sempre o mesmo dia maravilhoso que teve uma vez? O filme O orfanato da srta. Peregrine para crianças peculiares torna isso possível.





O dom da senhorita Peregrine é manipular o tempo, com isso ela cria o que se chama de “loops”, nos quais o mesmo dia é vivido infinitamente. Mas, qual seria o efeito disso em nossa maturidade? É possível amadurecer sem o passar do tempo?

A maturidade e o tempo

Isso me fez pensar sobre o tempo. Um dos fatos que julguei interessante no filme foi o de que as “crianças” já tinham vivido o mesmo dia por pelo menos 40 ou 50 anos, mas ainda eram “crianças”. Inclusive, parece-me que mantinham a mentalidade da época. É intrigante pensar que é possível viver 40 anos sem amadurecer.





A frase “envelhecer é obrigatório, mas amadurecer é opcional” me veio à cabeça quando pensei sobre isso. Em atendimentos clínicos esse fenômeno é comum e recorrente. Todos temos partes de nossa maturidade que “pararam no tempo”. Atingimos determinados estados de desenvolvimento e neles paramos.

O filme mostra a cena na qual o dia é “rebobinado”, achei a cena fantástica. Imagino que é o que ocorre em nossa mente: rebobinamos os dias e anos até o momento em que aprendemos o que aprendemos sobre a vida. A partir desse momento, continuamos vivendo tudo novamente. É o que chamamos de repetição.

O passar do tempo não gera maturidade. Se fosse possível reviver o mesmo dia para sempre, provavelmente, nos manteríamos com o mesmo grau de crescimento. E isso é o que ocorre em nossas mentes. Usamos cenas ocorridas anos atrás para justificar atos no presente. Criamos crenças e as justificamos com fatos ocorridos em nossa adolescência e infância.





A maturidade só pode ocorrer quando deixamos o tempo seguir em frente e aprendemos com os novos fatos que aparecem ao longo dele. Dar à nossa mente a tarefa de desenvolver novas conclusões sobre o mundo à medida em que temos dele novas evidências é fundamental.

Dependência e maturidade

Outro ponto interessante sobre o filme é a dependência das crianças frente à Srta. Peregrine. Ela é a autoridade da casa e quem volta o tempo. Ela é quem determina as tarefas de todos e protege as crianças. O fato é que nossa vida psíquica também funciona assim.

Se não temos uma senhorita Peregrine, temos pai, mãe, ou alguma figura que elegemos como “autoridade”. Esta “autoridade” interior nos diz o que podemos ou não fazer, aquilo que é certo ou errado. Ela que nos lembra do dia em que “aprendemos” alguma coisa e nos faz relembrar tudo novamente.

O desejo é o mesmo: proteção. A intenção é sempre positiva, porém, aquele que não cresce precisa de alguém para defendê-lo sempre. Ao se manter apoiado em decisões de anos passados ou na memória da voz de nossos pais nos dizendo o que fazer ou não, mantemos a dependência psicológica e emocional com eles.

A figura de Peregrine é a da matriarca que controla a vida da família. Esta figura é passível de aprisionar e impedir o desenvolvimento das crianças. A figura de Jacob, o protagonista, faz o papel de levar as crianças para a ação. O rapto da senhorita peregrine faz com que as crianças vão em seu socorro. É a saída do universo “mágico”, em que o dia perfeito (ou quase) se repete infinitamente, que dá às crianças mais maturidade.

A busca pela maturidade

Em nossa vida psíquica a maturidade é necessária para nos tornar mais aptos à sobreviver no mundo. Quanto mais desenvolvemos a capacidade de sustentar nosso ”eu” frente aos problemas que passamos, melhor se torna a nossa vida. Sair do tempo no qual desenvolvemos nossas crenças sobre o mundo e as pessoas é o primeiro passo.

O segundo deles tem a ver com abrir mão das figuras de proteção e autoridade. Assumir o risco e a responsabilidade sobre seu próprio comportamento e desejos é fundamental para se tornar adulto. Enfrentar a temida angústia que nos cerca quando as barreiras de proteção que criamos caem. Buscar novas soluções para os mesmos problemas é parte do dia a dia do adulto.

Por fim, viver as várias emoções que compõe o repertório humano. Viver a dor da perda, o desejo de reparação,o medo e a alegria, vivenciar o orgulho de nossas conquistas e a angústia de nossas escolhas. Sem isso a maturidade não ocorre. Ela não vem de forma fácil, mas sim trabalhada.

Acredito que o filme passa esta mensagem de forma muito linda. O sorriso de Peregrine ao ver as crianças no barco e o novo casal que se forma, mostra que a liberdade é possível. Quando ela, então, assume sua forma animal e sobrevoa aquele cenário com o barco indo em direção ao horizonte, a busca se inicia.

 

About the Author Akim Rohula Neto

Akim Rohula Neto é natural de Curitiba onde nasceu e se criou. Descendente de russos e italianos desde cedo percebeu que as diferenças emocionais e na percepção de mundo podem trazer problemas e ser fonte de grande competências e conquistas. Realiza sua graduação em Psicologia na PUC-PR (1999-2003), no mesmo ano termina uma especialização em Psicologia Corporal no Instituto Reichiano (2000-2003) e em PNL (Programação Neurolingüística) com Leonardo Bueno (1999-2003). Mais tarde, sentindo a necessidade de uma compreensão maior sobre os fenômenos familiares busca no INTERCEF (2008-2010) a formação em Psicologia Sistêmica. Desde a graduação em 2004 trabalha com atendimento em psicoterapia para adolescentes e adultos e a partir de 2008 trabalha com casais e famílias. Além disso ministra palestras e workshops que visam o desenvolvimento de competências para desenvolvimento do auto domínio e da inteligência emocional.

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