Profissionais que têm de lidar com a maior demanda de trabalho em meio ao desafio da pandemia que já dura mais de um ano no país podem desenvolver a síndrome de burnout, também conhecida como síndrome do esgotamento profissional.
Segundo advogados, os trabalhadores têm direito ao afastamento por licença médica, estabilidade e, em casos mais graves, à aposentadoria por invalidez.
A síndrome desencadeada pelo estresse crônico no trabalho se caracteriza pela tensão resultante do excesso de atividade profissional e tem o esgotamento físico e mental, a perda de interesse no trabalho e a ansiedade e a depressão entre os sintomas (leia mais sobre a doença ao final da reportagem).
“A síndrome de burnout é um transtorno cada vez mais comum nos dias atuais, sendo relacionada exclusivamente com o trabalho e, por isso, é equiparada a acidente de trabalho. Como toda doença ocupacional incapacitante, após o diagnóstico, o empregado deve ser afastado da atividade profissional”, explica Lariane Del Vecchio, advogada especialista em Direito do Trabalho e sócia da BDB Advogados.
Os especialistas orientam os trabalhadores a procurarem por atendimento médico. Após identificada a síndrome, a apresentação de atestado ao empregador dá direito a uma licença médica por um período mínimo de 15 dias, tempo no qual a remuneração é mantida pela empresa. Caso a licença se estenda por tempo maior, o trabalhador passa a contar com o benefício de auxílio-doença do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
“Uma vez comprovada a doença ocupacional, o trabalhador afastado pelo INSS tem direito à estabilidade por um período de 12 meses no emprego”, afirma Cíntia Fernandes, advogada especialista em Direito do Trabalho e sócia do escritório Mauro Menezes & Advogados.
É necessário que o trabalhador passe pela perícia médica para garantir o recebimento do auxílio por incapacidade temporária. No caso de não recuperar a capacidade de trabalho, será concedido o direito à aposentadoria por invalidez.
Atualmente, a síndrome está classificada na 10ª Classificação Internacional de Doenças (CID-10) como Z73, mas para a 11ª CID terá o código QD85, que entrará em vigor em 2022.
Apesar de vir crescendo ano a ano o número de concessões de auxílio-doença relacionados à síndrome – entre 2017 e 2018, o crescimento foi de 115%, passando de 196 para 421 –, o burnout ocupa a 436ª posição entre as doenças com pagamentos de auxílio-doença nos três primeiros meses de 2021, com 148 concessões, de um total de 486.219.
Já em 2020, foram 610 concessões de um total de 2.341.029, e o burnout ficou na 508ª posição entre as doenças com pedidos de auxílio por incapacidade temporária.
Para Lariane, essa “subnotificação” se relaciona ao diagnóstico incorreto. “Muitas vezes a síndrome não é diagnosticada porque é confundida com depressão, ansiedade, crise do pânico e não se fecha o diagnóstico relacionado ao trabalho, por isso não se classifica como burnout. E muitas vezes a pessoa não fala que está com crises de ansiedade por causa do patrão ou que está com depressão porque é humilhada no trabalho, então acaba sendo registrada como ansiedade e depressão”, diz.
Taxa de burnout, exaustão física e emocional, em profissionais de saúde chega a 90%
Na avaliação de Cíntia Fernandes, a crise econômica em decorrência da pandemia tem aumentado o risco de esgotamento profissional por conta da imposição de jornadas excessivas aos empregados.
“Durante esse período, houve um maior número de trabalhadores em hora extra. Além disso, a cobrança por resultados tem sido mais intensa. São dois fatores associados”, analisa.
A síndrome tem acometido principalmente os profissionais da área de saúde que atendem na linha de frente do tratamento da Covid-19. Estudo recente realizado por pesquisadores do Instituto D´Or de Pesquisa e Ensino mostra que ao menos um em cada seis profissionais da área apresenta sinais de burnout.
A pesquisa foi feita com 715 profissionais de saúde, entre médicos, enfermeiras, técnicos de enfermagem e fisioterapeutas que trabalha em UTIs de 36 hospitais públicos e privados.
É responsabilidade do empregador evitar o adoecimento de seus funcionários, assim como zelar por um ambiente de trabalho saudável, seja presencial ou remoto, apontam os especialistas.
“O empregador precisa fiscalizar se o empregado tem usufruído dos intervalos de jornada necessários. A depender das provas que o trabalhador tem do contexto em que foi inserido e que resultou nessa síndrome, ele tem o direito de buscar judicialmente a indenização pelos danos morais e materiais decorrente desse quadro de esgotamento”, alerta Cíntia Fernandes.
Para o advogado trabalhista Ruslan Stuchi, sócio do escritório Stuchi Advogados, as empresas devem dar uma atenção individualizada ao funcionário. “Cabe ao gestor de recursos humanos conscientizar os líderes de como administrar o trabalho sem agredir o bem-estar do funcionário e a enxergar que o profissional é mais do que uma matrícula e um número em uma planilha. Muitos gestores nem conhecem os seus funcionários”, afirma.
Com o avanço da pandemia, muitos trabalhadores que migraram para o home office tiveram a carga de trabalho elevada.
Stuchi defende que, enquanto o trabalho remoto apresenta vantagens, como evitar o deslocamento do funcionário até o local da empresa, também há pontos negativos em migrar para a modalidade.
“Para quem a disciplina não é um forte, é preciso praticar a organização e o foco total nas atividades. Há um risco de misturar a vida pessoal com a vida profissional e não conseguir distinguir a hora de trabalhar e a hora de ficar em casa tranquilo. Pode parecer ao trabalhador que ele está sempre envolvido com o trabalho”, pontua.
Na opinião de Cíntia, o trabalho remoto tem como característica o desafio de conservar um ambiente de trabalho saudável.
“Quando falamos de home office, vem à mente aquela estrutura de escritório em casa com um cômodo reservado para o trabalho. Essa não é a realidade da maioria dos trabalhadores. O trabalho é realizado no mesmo cômodo onde estão os demais membros da família e se insere no contexto doméstico”, ressalta.
A síndrome do esgotamento profissional é resultante do estresse crônico no local de trabalho que não foi gerenciado com sucesso e tem as seguintes características:
De acordo com a neurocientista Ana Carolina Souza, a síndrome de burnout é um quadro psicológico associado a uma percepção de exaustão que ocorre de forma prolongada, ou seja, não é uma fadiga pontual.
“Esse cansaço excessivo é associado a uma forte perda de interesse e engajamento nas atividades de trabalho. Além disso, a percepção grande de esforço é somada a sentimentos negativos, como frustração, depressão ou a ausência de significado associado ao trabalho. Ou seja, a pessoa entende que se esforça ao máximo, mas não consegue ver nenhum fruto associado ao seu trabalho, não vê para onde vai toda essa dedicação. Muitas vezes a percepção é que se alcançou muito pouco ou que o que foi conquistado não tem valor”, diz.
Sintomas
Os sintomas mais comuns são sensação de esgotamento físico e mental, perda de interesse nas atividades de trabalho, sentimentos negativos associados ao ambiente de trabalho, falta de motivação para trabalhar, irritabilidade, depressão, ansiedade, baixa autoestima, dificuldade de concentração e pessimismo.
Alguns sintomas também podem ser físicos, como dores de cabeça constantes, enxaqueca, fadiga, palpitação, pressão alta, tensão muscular, insônia, problemas gastrintestinais, gripes e resfriados recorrentes.
Condições que favorecem a síndrome
O início dos sintomas pode se dar por um acúmulo de tarefas, um excesso de responsabilidades e um nível de exigência e pressão exagerados associados a uma alta demanda de trabalho. Esse cenário tende a favorecer a sensação de impotência e a falta de perspectiva, que junto com a sobrecarga de trabalho permitem o quadro.
“A síndrome de burnout está associada a uma desconexão entre aspectos importantes como o volume de trabalho, a percepção de controle do indivíduo sobre a situação, seu reconhecimento e as relações com as pessoas, inclusive os gestores”, afirma Ana Carolina.
Além disso, a diversidade de canais de comunicação disponíveis pode levar a uma sensação de sobrecarga. Isso pode gerar dificuldade de alinhamento de prioridades, excesso de cobrança, erros de comunicação, sentimentos negativos e percepção de maior distanciamento e frieza por parte dos gestores ou da empresa, salienta a neurocientista.
“Ao mesmo tempo que a tecnologia permite mais autonomia pode gerar a sensação de que as pessoas devem estar disponíveis para o trabalho constantemente, uma vez que podem responder e-mails e mensagens facilmente do seu celular. Isso traz um excesso de carga horária, mesmo quando a pessoa está fora do escritório o que, associado às cobranças e pressão, pode piorar ou favorecer um quadro de burnout”, afirma.
Como prevenir
Veja as dicas da neurocientista: