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Tico Santa Cruz diz que chacota de Digão ilustra como redes sociais ‘são catastróficas para a saúde mental’

Tico Santa Cruz estava em busca de paz. Depois de lançar músicas com protestos políticos no “Álbum laranja” dos Detonautas em 2021, ele soltou o calmo e intimista “Esperança”. Dias depois, ele disse que se afastaria do Facebook e do Twitter para cuidar de saúde mental.

A ideia era passear na Bahia e postar vídeos leves no Instagram, mas ele deu de cara com um post de Digão. O líder dos Raimundos já tinha brigado com Tico e outros roqueiros após dizer que a pandemia era “uma amostra grátis do comunismo”. Agora, ele revidou e ironizou a saída de Tico das redes.

“Bom dia para quem trabalha e não precisa sair de rede social por problema de saúde mental”, escreveu Digão.

Ao fazer chacota sobre saúde mental, Digão acabou ilustrando exatamente como as redes são insalubres, argumenta Tico. “Acho que o enfrentamento dessa ignorância é fundamental para sairmos desse buraco em que o Brasil entrou.”

Tico ficou revoltado e não encontrou a paz esperada. Mas ele continua atrás. Ao g1, ele fala sobre o álbum mais leve após as canções , a pausa – temporária – nos comentários políticos e sociais nas redes e em como isso se traduz em sua carreira.

Ele bate de frente com o conservadorismo no rock e diz que as bandas precisam conversar com uma nova geração mais aberta e diversa. Uma oportunidade para isso, diz o músico, é o show deles no festival Lollapalooza, em março.

Leia a entrevista abaixo:

g1 – O álbum novo, ‘Esperança’, é mais leve. Quando vi que tinha uma versão de ‘Amanhã é 23’, do Kid Abelha, achei que seria uma balada no meio, mas ela é até mais pesada que as outras. Como veio a ideia de fazer um disco assim?

Tico Santa Cruz – Ele foi composto no primeiro momento da pandemia, entre março e agosto de 2020. Comecei a escrever muito no confinamento e a gente fazia as coisas à distância. A temática é bem mais existencial. Fala de angústia, medo, de não saber do futuro, questões da convivência.

Mas em agosto eu fiz a música “Carta ao futuro”, falando sobre a situação do Brasil, e ela desencadeou o “Álbum laranja”, que foi mais político. Então deixamos esse álbum guardado, e agora sentimos que dava para lançar.

g1 – Tem a música do Kid Abelha e uma parceria com o Frejat em “Medo”. Foi uma coincidência ou você quis fazer um resgate do rock brasileiro dos anos 80?

Tico Santa Cruz – A gente buscou mesmo uma sonoridade e arranjos que fizessem essa viagem ao final dos anos 80. Usamos bastante teclado. Eu gosto muito de The Killers, que conseguem ter essa roupagem anos 80, mas atual, tentando fazer uma ponte entre os arranjos.

g1 – Nesse álbum existe uma sensação de busca pela paz. É um momento seu? Pouco depois de lançar você anunciou que ia dar um tempo do Facebook e do Twitter.

Tico Santa Cruz – Minha vida sempre foi conectada à internet. O Detonautas foi a primeira banda formada pela internet. Como eu gosto muito, eu tenho uma relação de cuidado. Quando eu começo a gastar um tempo e uma energia que me prejudica, tendo a sair.

Em 2018 eu tinha falado que ia sair das redes, e realmente saí. Fiquei postando pouca coisa. Mas veio a pandemia, e a gente teve essa reviravolta do negacionismo e da forma desastrosa como foi administrada essa crise. Aí voltei a usar as redes.

Até porque a coisa começou a virar indignação coletiva. Não tem ninguém feliz no Brasil, exceto quem está ganhando muito dinheiro com a crise.

Só que eu sei que esse vai ser um ano difícil. Não vai ser uma prova de 100 metros, vai ser uma maratona.

Eu fiz um cálculo de recuar para poder chegar ao final do percurso. Eu recebo ataques sistematicamente desde 2014. Ataques muito pesados, densos. Para não entrar nesse ciclo, resolvi dar uma pausa, para avaliar como vai ser esse ano.

Banda Detonautas — Foto: Divulgação

Banda Detonautas — Foto: Divulgação

g1 – Curioso você falar assim sem esperança. Você sabe que os ataques vão existir e também que uma hora você vai voltar.

Tico Santa Cruz – A minha missão de vida, que eu quero muito realizar, se possível em 2023, é não depender mais das redes sociais. Eu participo ativamente do debate público há muitos anos e estou cansado.

Por isso eu queria me dedicar à minha família. Os meus filhos também sofrem, são expostos junto aos colegas. Não que em 2023 o Brasil vá virar uma Suíça. Mas eu queria que o Brasil caminhasse para um lugar em que eu pudesse me desligar.

Porque eu não vejo as redes sociais caminhando para um lugar saudável. Eu vejo que elas caminham para ser cada vez mais catastróficas para nossa saúde mental. As pessoas perderam o pudor de entrar em questões cada vez mais dolorosas e perigosas.

Mas nesse ano eu acho que todos vamos ter que encontrar algum jeito de dialogar ali dentro para o país passar dessa fase crítica. Eu quero dar um intervalo para chegar bem ali perto de agosto, setembro e outubro.

Tico Santa Cruz, dos Detonautas, e Digão, dos Raimundos — Foto: Divulgação / Instagram / Tico Santa Cruz  e Alexandre Durão/G1

Tico Santa Cruz, dos Detonautas, e Digão, dos Raimundos — Foto: Divulgação / Instagram / Tico Santa Cruz e Alexandre Durão/G1

g1 – Até a noite de sábado, quando o Digão fez o post no Instagram, você já estava havia quase dois dias fora do Facebook e do Twitter. Já estava dando para se sentir melhor?

Tico Santa Cruz – Na verdade, eu não posso me desligar totalmente. Quando eu falo em me desligar, falo sobre esses debates e do que não me faz bem. Mas eu tenho uma equipe que posta para mim coisas de trabalho, como clipes dos Detonautas.

E do Instagram eu não tenho como abrir mão. Estou abrindo uma loja de tatuagem e lançando disco. Não estou no rádio e nem na TV, não posso ignorar essa visibilidade. Eu estava passeando e postando algumas coisas quando vi o post do Digão.

O Digão é uma figura que não tem relevância. Os Raimundos são uma banda importante. Mas ele, como personagem, é irrelevante. Então ele sempre procura alguma coisa para atacar. Ele atacou recentemente a Anitta por lançar “Boys don’t cry”. Ele tenta chamar atenção assim porque não consegue de outra maneira.

Mas eu achei o post de muito mal gosto. Fazer uma crítica sobre música ou política é uma coisa. Chacota com saúde mental demonstra como a sociedade está doente e como as pessoas perderam o senso de respeito.

Eu tive um problema com o Digão quando ele postou que a pandemia era “uma amostra grátis do comunismo”. A tática que ele usa é a do ódio, da agressão e da ofensa, de destruir o outro.

g1 – Ele disse que você e outros músicos já ‘lincharam’ ele nas redes sociais antes.

Tico Santa Cruz – Não foi linchamento. Ele estava falando um monte de bobagem sobre a pandemia e as pessoas estavam respondendo ele. As pessoas que identificaram que ele estava fazendo um desserviço e ele foi para o lado pessoal.

(O g1 procurou o Digão e a assessoria de imprensa dos Raiumndos para falar sobre o assunto, mas não teve resposta).

Digão critica Tico Santa Cruz — Foto: Divulgação

Digão critica Tico Santa Cruz — Foto: Divulgação

g1 – Por que você acha que o rock atrai figuras conservadoras, como você cantou na música “Roqueiro reaça”?

Tico Santa Cruz – O rock sempre foi um estilo colocado como de drogado, de vagabundo, de pessoas que são marginais. Lá nos anos 60 e 70 os conservadores criticaram o rock pela sua forma transgressora e libertária.

Mas o rock também começou a ter outro viés, elitista, de achar que tudo que não é rock é uma porcaria. E ele teve sua formação no Brasil dentro da classe média. Essa galera envelheceu e não conseguiu entender a dinâmica social.

Elas não tiveram um diálogo com a galera mais nova, que tem flexibilidade de estilos, que não é restrita e aceita a diversidade cultural e sexual. Eles pararam no tempo e se tornaram como os velhos conservadores que antes criticavam o rock.

O funk, o rap e o pop dialogam muito bem com o novo público. Mas o rock ficou com essas figuras engessadas, que acham que tem que ter essa coisa machona, autoritária e politicamente incorreta. Assim como parte do público que não entendeu o rock a ponto de vaiar o Roger Waters.

E não é só aqui. Você vê lá fora o Eric Clapton dando declarações absurdas. São pessoas que perderam a conexão com o mundo. Não dá para se juntar com negacionistas e obscurantistas.

O pior é que isso se reflete no rock do Brasil, ele perde espaço, não consegue falar a língua das pessoas, fica complicado. Mas outros artistas perceberam, ainda bem, e hoje pessoas como o Digão estão praticamente isoladas.

Cantor Tico Santa Cruz  — Foto: Divulgação

Cantor Tico Santa Cruz — Foto: Divulgação

g1 – Você disse que ia se afastar das redes e buscar ajuda médica. Está fazendo terapia?

Tico Santa Cruz – Terapia eu já faço há muito tempo, desde 2004. Eu já levanto a bandeira da saúde mental há anos. Em 2019 lançamos a música “Ilumina o mundo” em parceria com o CVV, divulgando o número 188. Essa sempre foi uma pauta em que eu atuo.

Como faço terapia, sei quando não estou bem. Aí fui ao médico, ao psiquiatra, ele me receitou um medicamento.

Eu falei sobre sair das redes e sobre o tratamento porque acho isso importante. Muita gente fica com medo de fazer e falar sobre isso por causa de gente ignorante como o Digão. Acho que o enfrentamento a essa ignorância é fundamental para sairmos desse buraco em que o Brasil entrou.

g1 – Mesmo se resguardando agora, você está prestes a fazer um show no Lollapalooza. Com estes álbuns com perfis tão diferentes, como você vai combinar o repertório do festival?

Tico Santa Cruz – Eu já conheço o Lolla há muitos anos e sei que tem um line up mais alternativo. E eu acho que é oportunidade de uma galera conhecer os Detonautas em uma geração que não se conectou lá no começo.

A gente vai fazer os hits, mas também pontuar com algumas coisas desse novo e do álbum laranja.

Queremos acessar essa galera nova que muito nos interessa. O rock está envelhecendo, se não conseguir se conectar com a juventude, vai virar jazz e blues, uma coisa da elite ouvir tomando uísque.

g1 – Já que você saiu das redes para preservar a saúde mental por um tempo, como pretende se comportar em relação aos discursos no palco?

Tico Santa Cruz – Já tem alguns anos que eu não preciso falar nada além das músicas. Até porque minha posição é muito clara. Eu não fiquei em cima do muro. O que eu sempre falo é que a gente precisa preservar a democracia e lutar por ela.

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