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Caso Leandro Bossi: ‘Meu irmão estava em um saco preto no IML, e o meu pai ficou 29 anos procurando’

Ainda que seja possível imaginar, ninguém poderá sentir e entender de fato o que a família de Leandro Bossi, menino que desapareceu em Guaratuba, no litoral do Paraná, em fevereiro 1992, viveu.

Durante 29 anos, a família sentiu o vazio de não saber onde estava a criança. Só após todos esses anos, veio a notícia: com base em uma amostra óssea antiga, um exame de DNA confirmou que Leandro está morto. O material estava no Instituto Médico-Legal (IML), em Curitiba.

“O meu irmão estava em um saco preto no IML, e o meu pai ficou os 29 anos procurando… Na verdade, especificamente, não sei se isso é bom ou ruim. Estava um pedaço do osso dele, só um pedaço. O restante nem se sabe, né?”, diz Neli Bossi, irmã de Leandro Bossi.

Hoje Neli mora em Matinhos, também no litoral do Paraná, e trabalha como agente de endemias.

Ela carrega consigo a lembrança de uma família abalada pela violência. “Pras pessoas isso é só uma história, mas pra gente é nossa vida”.

Irmã de Leandro Bossi relembra vida de dor da família desde desaparecimento do menino

desaparecimento do menino Leandro Bossi é o tema da sexta temporada do podcast Projeto Humanos, da Globoplay, do jornalista Ivan Mizanzuk.

Atualmente o inquérito está arquivado na Polícia Civil (PC-PR) e o caso continua sem conclusão. Quando sumiu, Leandro tinha 7 anos. Conforme as investigações, ele desapareceu no show do cantor Moraes Moreira, em 15 de fevereiro.

Dois meses depois, outro desaparecimento espantou moradores da cidade litorânea: o de Evandro Ramos Caetano, de 6 anos – o famoso caso Evandro. Na última quinta-feira (9), os quatro condenados pelo caso tiveram os processos anulados após a Justiça confirmar, depois de 30 anos, que eles foram torturados para confessar crimes que não cometeram.

Uma vida marcada pela dor

Neli Bossi é irmã de Leandro Bossi, menino que despareceu em 1992 em Guaratuba e teve a morte confirmada 30 anos depois — Foto: RPC Curitiba

Neli Bossi é irmã de Leandro Bossi, menino que despareceu em 1992 em Guaratuba e teve a morte confirmada 30 anos depois — Foto: RPC Curitiba

Neli Bossi conta que o pai, João Bossi, virou uma pessoa amargurada, triste e que passou a vida inteira procurando o filho. João morreu em abril de 2021, praticamente um ano antes da confirmação da morte de Leandro.

“Assim, é muito, para gente, é muito triste lembrar de tudo, de tudo que o pai passou. Todas as festas que a gente não podia ir, todas as vezes que a gente queria um carinho de um pai, um abraço de um pai e a gente não teve. Não por culpa dele, né.”

Neli conta que o pai nunca teve auxilio psicossocial. Na avaliação dela, ele e a mãe de Leandro Bossi, Paulina Bossi, são pessoas que nunca conseguiram curar ou tratar um trauma.

João Bossi, então, foi criando rituais para manter a lembrança do filho.

“Todos os aniversários do Leandro a gente tinha um quadro que representava o Leandro, como se ele tivesse entre 17 e 18 anos. Ele fazia bolo, comprava refrigerante e a gente cantava parabéns. A gente, como era criança, a gente se assustava com isso. Pra gente era como se fosse um quadro, assim, assustador porque a gente não teve a convivência com o Leandro.”

“A gente fazia os aniversários, tinha Natal a gente fazia aquela mesa, o quadro estava lá, só que daí, toda a vida, foram épocas muito triste pra gente não só pela lembrança, mas porque quando a gente sentava à mesa, não davam 5 minutos, meu pai começava a chorar”, lembrou Neli.

Em meio a tanta dor e empenho para tentar achar o filho, João Bossi também manteve a fé. Neli conta que o pai fez uma promessa e, por isso, construiu uma cruz de maneira e colou a foto de Leandro e de outras crianças desaparecidas do estado.

Ele foi a pé de Guaratuba à cidade de Aparecida do Norte – mais de 730 quilômetros de distância. Foram 15 dias de caminhada até chegar ao destino e outros 15 dias para a volta.

“Conforme ele ia andando, as pessoas na rua, às vezes, deixavam ele tomar banho ou às vezes davam alguma coisa para comer […]. Chegou lá, ele deixou lá a cruz […]. Então, assim, ele nunca perdeu a esperança, né?”

‘Quem matou Leandro?’

João Bossi, pai de Leandro, faleceu em 2021 sem respostas do que aconteceu com o filho. — Foto: Reprodução/Caso Evandro

João Bossi, pai de Leandro, faleceu em 2021 sem respostas do que aconteceu com o filho. — Foto: Reprodução/Caso Evandro

Agora, Neli acredita que com o passar desses 31 anos a possibilidade de se esclarecer o caso fica ainda mais remota.

“Se você pegar alguém para fazer um depoimento, a pessoa não vai lembrar com todos os detalhes. Ela não vai lembrar, vai lembrar de poucas coisas. Então, hoje, eu acho muito difícil. É muito difícil, mesmo, você conseguir saber bem ao certo o que aconteceu. Talvez a gente vai morrer também sem saber”, lamentou Neli.

Cobrança para saber do filho

Cartaz divulgado pela Polícia Civil à época do desaparecimento de Leandro Bossi — Foto: Polícia Civil/ divulgação

Cartaz divulgado pela Polícia Civil à época do desaparecimento de Leandro Bossi — Foto: Polícia Civil/ divulgação

Antes, todo ano, no mês de fevereiro João Bossi colocava uma faixa em frente de casa pedindo ajudar para encontrar o filho e também cobrando uma resposta das autoridades públicas.

Além de ser o mês de desaparecimento da criança, em fevereiro Leandro Bossi fazia aniversário.

Após a morte do pai, quem assumi essa tarefa foi Neli. “Eu parei porque daí agora ele já não é mais uma criança desaparecida, né?”.

Contudo, ainda há esperança que a família receba uma resposta sobre o que aconteceu com Leandro Bossi.

“No fundo a gente quer ter uma resposta, a gente sempre vai querer saber o que realmente aconteceu. Ainda mais porque a gente passou anos acreditando coisas diferentes, então, assim, hoje, a gente sabe que existe um fêmur. Não é nenhuma ossada, existe um fêmur, que a gente nem vai poder enterrar”.

Governo do Paraná encaminhou uma carta para a família Bossi pedindo desculpas por falhas na investigação do desaparecimento e morte da criança — Foto: RPC Curitiba

Governo do Paraná encaminhou uma carta para a família Bossi pedindo desculpas por falhas na investigação do desaparecimento e morte da criança — Foto: RPC Curitiba

O Governo do Paraná encaminhou uma carta para a família Bossi pedindo desculpas pelos erros nos ritos da investigação.

Quando o Governo do Paraná confirmou a morte de Leandro, em 2022, o irmão dele, Lucas Bossi, questionou publicamente a versão do estado e reforçou a dúvida sobre quem matou Leandro.

Erro em exame afirmou que corpo de Leandro era de uma menina

Neli acredita que se o pai tivesse tido a oportunidade de saber que o filho estava morto, poderia ter aliviado a dor da família.

“Foi aquele choque, aquele desespero misturado assim com alívio, mas com muita frustração e raiva”, disse Neli.

Ela lembra que ossos de Leandro foram encontrados em uma região de mata, próximo do local onde foi encontrado o corpo do menino Evandro, um ano após o desaparecimento.

Entretanto, erroneamente, em março de 1993, os exames de DNA feitos em laboratório privado de Minas Gerais, com a tecnologia que era disponível à época, afirmam que a ossada não era de Leandro Bossi, mas sim de uma menina.

Neli conta que a mãe, Paulina Bossi, afirmou, quando o osso foi encontrado, que era o filho dela.

“A mãe, a Paulina, vê aquela ossada com as roupas do filho dela, que tem uma cueca costurada à mão. Ela fala que é o filho dela, e os investigadores disseram que não depois lá com o DNA, né? Eles falaram com o DNA que era uma menina aproximadamente 15 anos, e a mãe dizendo que era”.

Confira a linha do tempo dos acontecimentos que envolvem o caso Leandro Bossi

  1. Fevereiro de 1992: Leandro Bossi desaparece
  2. 6 abril de 1992: Evandro Ramos Caetano desaparece
  3. 11 de abril de 1992: corpo de Evandro é encontrado em matagal
  4. Fevereiro de 1993: ossada é encontrada no mesmo matagal onde estava corpo de Evandro
  5. Março de 1993: laudo atesta que ossada não era de Leandro
  6. 1996: menino de Manaus afirma ser Leandro Bossi
  7. 2021: fragmentos de ossos são enviados para novo teste de DNA
  8. Junho de 2022: exame comprova que ossada é de Leandro Bossi
  9. O que falta esclarecer

Fevereiro de 1992: Leandro Bossi desaparece

Leandro desapareceu em 15 de fevereiro de 1992, quando tinha sete anos. O menino foi visto pela última vez no show do cantor Moraes Moreira, em uma praia de Guaratuba.

A mãe de Leandro trabalhava em um hotel da cidade, o pai era pescador. Ambos estavam trabalhando no momento do desaparecimento e quando notaram o sumiço da criança, acionaram a polícia local.

Na época, nenhum indício foi encontrado, e Leandro Bossi entrou na lista do Serviço de Investigação de Crianças Desaparecidas (SICRIDE).

Voltar ao início.

6 abril de 1992: Evandro Ramos Caetano desaparece

Dois meses depois do desaparecimento de Leandro, o menino Evandro Ramos Caetano, de seis anos, desaparece em Guaratuba, no dia 6 de abril de 1992. Os dois meninos e os respectivos desaparecimentos tinham características semelhantes.

Evandro estava com a mãe, Maria Caetano, funcionária de uma escola municipal de Guaratuba, e disse a ela que iria voltar para casa após perceber que havia esquecido o mini-game. O menino nunca mais retornou.

Evandro Ramos Caetano desapareceu no trajeto entre a casa e a escola, em Guaratuba. Evandro e Leandro tinham características em comum. — Foto: Reprodução/RPC

Evandro Ramos Caetano desapareceu no trajeto entre a casa e a escola, em Guaratuba. Evandro e Leandro tinham características em comum. — Foto: Reprodução/RP

11 de abril de 1992: corpo de Evandro é encontrado em matagal

Após um corpo ser encontrado em um matagal do dia 11 de abril de 1992, o pai de Evandro, Ademir Caetano, afirmou à época no Instituto Médico-Legal (IML) de Paranaguá ter reconhecido o filho, por meio de uma pequena marca de nascença nas costas.

O corpo foi encontrado por lenhadores que passavam pela região e perceberam a presença de urubus. Conforme informações da época, ele estava sem o couro cabeludo, olhos, pele do rosto, partes dos dedos dos pés, mãos, com o ventre aberto e sem os órgãos internos.

Próximo ao corpo, foram encontradas as chaves de casa do menino.

À época, cinco pessoas confessaram o crime: Beatriz e Celina Abagge, Osvaldo Marcineiro, Vicente de Paula Ferreira e Davi dos Santos Soares.

As confissões foram registradas em fitas de áudio e vídeo. Anos depois, em 2020, as fitas originais se tornaram públicas, indicando que as gravações usadas na investigação foram editadas, suprimindo a tortura que os acusados sofreram para confessar crimes que não cometeram.

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