Primeira pandemia na era das redes sociais gera pânico desnecessário

Em São Paulo, as máscaras sumiram das farmácias antes mesmo de qualquer caso de coronavírus ser confirmado no país. Um vídeo de duas mulheres brigando por papel higiênico na Austrália viralizou.

A rede de TV britânica BBC noticiou que os gastos com supermercado subiram 40% em uma cidade da Nova Zelândia após a confirmação do primeiro caso do novo coronavírus no país.

No Reino Unido, as pessoas fizeram bunkers de sobrevivência e as prateleiras de papel higiênico, macarrão, óleo, comidas enlatadas e água sanitária ficaram vazias.

Especialistas afirmam que vivemos, além da situação com o coronavírus, uma pandemia de pânico. Apesar da sociedade já ter passado por outras pandemias, esta é a primeira que acontece em um mundo hiperconectado e com desinformação.

Em 2009, quando aconteceu a pandemia de H1N1, os smartphones já existiam, mas o celular não tinha a importância que tem hoje e era usado, principalmente, para ligações e mensagens de texto.

O estudo Google Consumer Barometer, divulgado em 2017, mostra que em 2012 apenas 14% da população possuía smartphones. Em 2016, este número passou para 62%.

Já no Brasil, atingimos a taxa de um smartphone por habitante em 2017, segundo a FGV (Fundação Getúlio Vargas). Isso não significa que todos os brasileiros possuem um smartphone, uma vez que muitas pessoas possuem mais de um celular.

“O problema da globalização é que nesse momento temos as notícias em tempo real, sendo atualizadas a cada momento. Isto contribui para disseminação de uma pandemia de pânico”, afirma o psiquiatra Marcel Vella Nunes, do Hospital Santa Mônica, em São Paulo.

O psiquiatra Saulo Piasca, professor na Universidade Nove de Julho, afirma que o excesso de informação, as informações incompletas e a preferência da imprensa por mensagens de maior impacto também contribuem para a geração de medo na sociedade.

Segundo Nunes, a desinformação é um fator que aumenta o pânico coletivo. “O fenômeno depende de um sugestionamento e é exatamente isso que as fake news proporcionam.”

Além disso, ele afirma que as pessoas que já possui a saúde psicológica fragilizada têm mais chance de desenvolver quadros de pânico coletivo.

“Quem já possui TOC [transtorno obsessivo-compulsivo] envolvendo contaminação ou limpeza, ou mesmo ansiedade, pode se prejudicar muito. Esse pânico é muito maléfico para o coletivo”, afirma Piasca. “A pessoa pode se isolar e até desenvolver ou agravar delírios.”

Segundo Nunes, o Brasil possui um dos maiores índices de ansiedade do mundo. “A pessoa ansiosa amplifica os sintomas. Uma dor de cabeça é um tumor, tem uma tosse e já acha que está com câncer.”

Para Piasca, a população tem trabalhado cada vez mais e interagido fisicamente entre si cada vez menos, o que favorece respostas com mais ansiedade, medo e irracionalidade.

“Quando a conexão acontece, ela é virtual. Isso gera uma expectativa interna. As facilidades da vida moderna também dificultam que lidemos com as frustrações.”

Para os especialistas a melhor maneira de evitar a disseminação do pânico é sempre verificar as informações que recebe e não compartilhar as que não forem confirmadas.

“Confiar nas informações dos órgãos oficiais como o ministério e a OMS [Organização Mundial da Saúde]. Se eu fizer uma investigação, eu evito a propagação e me acalmo também”, afirma Nunes.

Além disso, Piasca indica que, caso o medo esteja atrapalhando as atividades do dia a dia, a pessoa deve considerar procurar ajuda profissional. “É importante construir uma rede de apoio, não se isolar, conversar sobre isso.”

O psiquiatra lembra que o pânico pode gerar problemas além da própria doença.

“Se temos mercados desabastecidos e hospitais lotados pois as pessoas vão ao médico sem necessidade, temos um problema causado pelo pânico e não pelo vírus.”

O termo histeria coletiva já não é utilizado por ser pejorativo para as mulheres. A palavra vem de hystéra, que do grego, significa útero. “Se acreditava que só mulheres tinham isso, mas hoje sabemos que é um fenômeno psiquiátrico”, afirma Nunes.

O nome mais adequado, apesar de não ser oficial, é pânico coletivo.

“É quando um grupo de indivíduos mimetizam uma doença de maneira coletiva e de maneira inconsciente. Quando vivem algum dilema ou situação estressante, começam a apresentar sintomas que podem ser de dor, neurológicos, psíquicos, físicos, entre outros.”

O médico cita um caso no norte do país, em que diversas pessoas começaram a apresentar convulsões após tomar a vacina do HPV. “A pessoa recebe a informação incorreta de que pode ficar doente com a vacina e é sugestionada a isso.”

Ele explica que para que seja considerado um quadro psiquiátrico coletivo é necessário que as pessoas apresentem sintomas. “Nos casos que estamos vendo, são sintomas de ansiedade.”

Segundo ele, muitas vezes a pessoa não está tão ansiosa com as notícias diretamente, mas ao observar os outros tomarem atitudes drásticas, começa a agir da mesma maneira. É o efeito manada.

Além disso, os sintomas têm relação com o meio cultural que a pessoa vive e com o modelo de aprendizagem. “Se é em um país que já viveu uma situação de guerra, inconscientemente, as pessoas acreditam que é estocar suprimentos é a melhor maneira de lidar com essa situação.”

Fonte: R7

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